O que nossa frágil democracia tem a aprender com Creonte?

Em releitura recente que venho fazendo da seminal Antígona, de Sófocles, acabei me atendo a algo que o personagem Creonte pode nos ensinar. Seria um ensinamento sobre o fenômeno político que vivemos.

Ensinamento que não se restringe a um dos lados da tão polarizada política brasileira, mas aos dois polos.

Creonte foi aquele que proferiu um discurso e se viu na obrigação de sustentá-lo até o fim, mesmo que isso acarretasse em prejuízos para sua família. E os prejuízos não foram pequenos. Lembremos um pouco do enredo. No começo da trama trágica, ficamos sabendo que dois irmãos se matam, ao mesmo tempo, em um conflito bélico-político. A cidade estava dividida e Creonte precisava tomar uma decisão, então declara ele - sem saber o destino trágico que o esperava - que aquele(a) que realizasse as honras fúnebres de um deles, que agora era inimigo do Estado, receberia a sentença de morte. Antígona, irmã dos dois mortos, resolve fazer as honras fúnebres do irmão, apesar da sentença de Creonte. Acontece que Antígona também era a futura nora de Creonte. Tinha seu casamento marcado com Hemon, filho de Creonte. Durante a tragédia, acompanhamos Creonte sustentar seu discurso inicial apesar dos apelos de seu filho e das advertências de seu conselheiro. Creonte acaba colhendo o suicídio do filho que não tolera a perda de Antígona.


Ficam em relevo as questões: que tipo de pai é Creonte? Que tipo de governante é Creonte?

A inflexibilidade do seu discurso é assustadoramente heróica, me atrevo a dizer, e indubitavelmente tirânica, ao mesmo tempo. Exigir de políticos ou de pais uma posição como a de um Creonte é algo demasiado e não recomendável, inclusive.  (se bem que todo pai imaginário é um pouco Creonte, diria a psicanálise. Mas isso é outro assunto...)  Porém, gostaria de abordar dois elementos que parecem estar em falta em nossa política e que, por isso, especulo eu, nossa política esteja em tão profunda crise de credibilidade e representatividade.

Destaco um pequeno elemento de cada um dos lados da nossa frágil democracia: por um lado, os deputados defensores do impeachment proliferaram inúmeras justificativas em nome de suas famílias e das divindades nas quais acreditam. Ora, Creonte nos ensina que um político tem que fazer suas escolhas apesar de sua família e de suas crenças. Talvez, em um nível radical isso seja utópico, mas quando assim declarado como foi, fica escancarada a falta de espírito republicano em nossos políticos.

Por outro lado, a presidente Dilma cai não simplesmente por suas pedaladas fiscais, mas principalmente por ter um governo extremamente impopular. E qual seria a causa disso? Ora, talvez seja múltipla, mas me arrisco a apostar minhas fichas no que eu gostaria de chamar aqui de demasiada flexibilidade do discurso do governante. Isso não é coisa exclusiva de Dilma ou do PT, mas pela história da sigla, o fenômeno deu no que deu.

Esse fenômeno é gradativo no PT desde o primeiro governo de Lula e teve uma acentuação brusca desde a última eleição de Dilma. Me explico: o PT tinha um discurso bem caracterísitico. Radical até. Era o partido dos trabalhadores! Não estava envolto em escândalos como os outros. Mudou com o tempo. Passou a se parecer mais com os outros, mas uma fala parece ser emblemática para a queda de popularidade de Dilma que culminou no impeachment: "no meu governo não subirei impostos nem que a vaca tussa!". Naquele momento, de forma surpreendente, Dilma falou a voz do povo. Ela, diferentemente de Lula, não era hábil nisso. Deu um recado bastante claro para todos. E, ao fazer isso, se colocava como distinta de seu adversário: Aécio Neves. No entanto, ao fazer isso, Dilma flexibilizou demasiadamente seu discurso. Com a eleição ganha, foi necessário fazer os tais ajustes fiscais. Daí, a vaca tussiu. Será que foi pro brejo?

Talvez seja o momento de o PT fazer uma correção de curso, voltar para suas bases e passar a exercer um papel em falta no páis: o de uma esquerda forte e genuína.