O Jornalista Marcelo Monteiro relatou sua experiência com uma grave depressão. Seu tratamento se deu pelo uso de medicamentos associados a tratamentos espirituais. Achei uma pena o Marcelo não ter investido em uma terapia psicanalítica. Uma análise costuma proporcionar ao sujeito uma experiência de descobertas sobre si. O sofrimento que repentinamente surge do nada e incapacita a vida do sujeito aos poucos passa a ser contextualizado e a fazer parte de sua biografia. A análise convida o sujeito a reescrever sua própria história e a situar seu sofrimento em relação ao seu desejo. Ao longo dessa empreitada subjetiva, costumamos ver inibições serem superadas, angústias deixarem de ser incapacitantes e sintomas quando não totalmente removidos, poderem ser deslocados, redimensionados e passarem a ser um mal-estar administrável dentro da vida do sujeito.
Não há dúvidas que nem todo mundo está disposto a realizar uma análise. Um tratamento que consiste basicamente em falar sobre si e, especialmente, reescrever sua história e a história de seu sofrimento.
Para muitos parece mais simples, fácil e cômodo usar medicações ou se submeter a algum tratamento que “venha de fora”, por assim dizer. Aliás, essa é a forma mais comum de nos relacionarmos com a cura: ser passivo a alguém que nos dá um diagnóstico e sabe como nos curar. Temos sempre a esperança de obter um remédio que nos “dê alegria”, como dizia o eterno jovem poeta.
Em psicanálise as coisas são diferentes. A terapia psicanalítica é uma terapia independente do uso de medicações. Ser independente do uso de medicações não faz com que dispensemos seu uso ou não o recomendemos - por vezes até como condição da análise - quando necessário. Mas o fato é que há algo que uma análise oportuniza que o uso de medicamentos não pode oferecer: um tipo especial de conhecimento e um tipo especial de experiência.
Retornando à matéria de Marcelo: ele diz que o tratamento da depressão é feito à base de antidepressivos, acompanhados ou não de psicoterapia. Não quero contestar essa afirmação, apenas apresentar alguns insights psicanalíticos que podem nos ajudar a entender um pouco a origem do sofrimento psíquico, a preferência por uma cura passiva, vinda de fora, através de drogas, e a preferência por evitar uma terapia pela fala.
Muito bem, no texto de Marcelo, fica claro, já no seu título, a tentativa de enfrentar o sofrimento sozinho: “Eu enfrento a depressão”. Isso revela uma certa bravura, mas também podemos dizer que está relacionado com a própria natureza do sofrimento. Ora, o sofrimento é algo íntimo por si só. Ninguém, além de nós, é capaz de sentir aquilo que sentimos abaixo de nossa pele ou lá no fundo do peito. É claro que podemos comunicar aos outros ou dar sinais de que sofremos, mas esse é um segundo passo. Vamos agora percorrer um insight do criador da psicanálise e muito desenvolvido por um de seus seguidores. (me refiro a Freud e OttoRank, respectivamente)
Pensemos no primeiro momento de nossas vidas: saímos do útero materno e somos imediatamente forçados a nos adaptar à vida sem uma placenta e cordão umbilical. Não é à toa que não lembramos desse momento. Façamos um esforço de reconstruir essa situação comparando com situações parecidas que vivenciamos quando adultos. Estávamos envoltos em líquidos dentro do corpo de nossa mãe, quando saímos de lá provavelmente sentimos um certo desconforto. Algo parecido sentimos no inverno quando precisamos sair da cama ou quando saímos de um banho quente. De manhã cedo, logo que acordamos também experimentamos algum desconforto quando somos confrontados com alguma luz intensa. Mas, nada é tão desconfortável como a impossibilidade de respirar e tão angustiante como a tentativa de inflar os pulmões quando não se pode. Experiências de afogamento e asfixia, bem como congestão nasal e ataques de asma parecem ser situações parecidas com a situação de um bebê recém-nascido e sua primeira tarefa: encher os pulmões para depois chorar.
Ora, quando um bebê nasce, esperamos por seu choro. É sua primeira forma de comunicação: seu sinal de vida. Aos poucos, o choro do bebê passa a ser busca por satisfação, seja de alguma necessidade fisiológica ou de alguma outra coisa.
Agora pensemos, hipoteticamente, em um bebê que está totalmente isolado de adultos. Ele chora e não é atendido. Ninguém pode ajudá-lo. Esse bebê irá desistir ou permanecerá chorando até seu último instante de vida?
Esse é um experimento mental triste de se pensar, mas nos ajuda a entender o que se passa em uma depressão e o que pode estar envolvido em não falar sobre esse tipo de sofrimento.
Se prosseguirmos no nosso exercício mental, vemos com facilidade que a fala substitui o choro. Conforme a criança cresce, ela aprende a pedir o que quer e passa a chorar cada vez menos. A partir dessa pequena história que se aplica a quase todos nós, podemos entender porque é difícil pra muita gente falar sobre o seu sofrimento: a depressão parece ser algo tão intenso como a hipotética desistência do bebê em seguir chorando até ser atendido. Seguindo essa conjectura, as drogas se mostram uma saída ideal: um prazer que se sente no corpo advindo de fora. É como se os choros passados pudessem ser atendidos..
Fiz questão de manter a expressão geral “drogas” porque muita gente em estado depressivo também recorre a drogas que não são medicamentos. Agora, adicionando a via pela qual os medicamentos geralmente entram no corpo, progredimos ainda mais nos insights psicanalíticos: a boca é a via pela qual temos contato com o apaziguador seio materno. Seio esse que não é buscado apenas por fome: é o refúgio de conforto e satisfação do bebê.
Acredito que as linhas acima nos ajudem a entender porquê muitos optam pela via da medicação ou da droga. A fragilidade psíquica do depressivo pode ser tão regressiva a ponto de o impossibilitar de falar a respeito. Em casos assim, a análise não pode dispensar a medicação, pois a própria fala parece exigir um estado psíquica um pouco mais robusto.