A Angústia de viver

Grupo de estudos

 

 

 

Nas Conferências Introdutórias sobre a psicanálise (1917), Freud apresenta um poderoso insight: toda angústia que sentimos ao longo de nossas vidas seria uma recordação do primeiro momento que viemos ao mundo; momento em que precisamos, pela primeira vez, inflar nossos pulmões.

A partir desse insight, Otto Rank, que estava na plateia e era muito próximo de Freud, desenvolve sua teoria. Uma teoria audaciosa, por sinal: ele propõe repensar toda teoria psicanalítica a partir do trauma do nascimento. O texto é interessante e audacioso, embora não pareça estar correto. Independentemente disso, o fato é que a teoria da angústia de Rank em O Trauma do Nascimento será discutida por Freud, enquanto ele reformula toda sua teoria da angústia em Inibição, Sintoma e Angústia (ISA). Cabe notar que esse é um texto da fase madura do pensamento Freudiano, quando Freud já tinha desenvolvido sua teoria da dualidade das pulsões em Além do Princípio do Prazer e a sua nova tópica em o Eu e o ID.

Diante do debate que está sendo articulado em ISA, podemos entender que a obra de Otto Rank não só foi respeitada, mas que Freud trabalhou para poder respondê-la de forma adequada. Acho oportuno citar aqui a afirmação de Freud ao final do texto “Dissolução do Complexo de Édipo”, texto em que temos expresso o reconhecimento que Freud tinha pela teoria de Rank:

 

 

Desde que foi publicado o interessante estudo de Otto Rank sobre o Trauma do Nascimento, também o resultado dessa pesquisa e investigação, o de que o complexo de Édipo do menino sucumbe ao medo (ou angústia: Angst) de castração, não pode ser acolhido sem maior discussão. No entanto, parece-me prematuro entrar nessa discussão agora, e talvez também inadequado iniciar aqui uma crítica ou apreciação do ponto de vista de Rank. (Freud XVI, 1924, p. 213)

 

 

O fato é que dois anos mais tarde teremos essa crítica e apreciação do trabalho de Rank, que ocupará o núcleo central de Inibição Sintoma e Angústia. Boa parte da discussão gira em torno de como articular a teoria das pulsões e a teoria das neuroses. O saldo será um dimensionamento mais apurado do complexo de castração, o que aparentemente é um reflexo de um amadurecimento do pensamento freudiano desde o texto sobre as consequências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos. Será possível notar que Freud repensará os casos clínicos clássicos que tinha publicado até então, junto do redimensionamento de sua teoria da angústia.

 

Meu convite a colegas e amigos filósofos e psicanalistas é realizarmos juntos esse trajeto de estudos dentro da teoria freudiana, cotejando a teoria de Otto Rank, mas tendo no radar o que se passa nesse momento tão angustiante que vivemos: algo invisível no ar nos deixa cheios de angústia e medo.

Não posso deixar de mencionar que teremos no horizonte o sistema filosófico de Schopenhauer, que sempre que puder de alguma forma nos ser útil, será evocado, já que Schopenhauer possuía uma teoria do inconsciente e uma teoria dos instintos, quiçá uma teoria das pulsões. Aliás, me parece oportuno citar uma passagem dele aqui para mostrar o quanto poderá nos ser útil:

 

(...) o temor da morte é independente de todo conhecimento, pois o animal o possui, ainda que não conheça a morte. Tudo o que nasce nesse mundo o traz consigo. Esse temor da morte a priori é justamente a contrapartida (Kehrseite) da vontade de vida, o que nós, no fundo, somos. Em cada animal, junto com o cuidado inato com a conservação, está também o medo inato da aniquilação absoluta: é este, portanto, e não o simples desejo de evitar a dor, o que se manifesta na preocupação inquieta do animal, o qual procura garantir a si próprio, e mais ainda à sua prole, contra todo inimigo capaz de lhes causar mal. (...) Com o homem se passa o mesmo. O maior dos males, o mais terrível dos perigos que pode nos ameaçar, é a morte; a maior angústia (die groesste Angst) é o medo da morte (Todesangst). (Scopenhauer, Über den Tod, p. 593)

 

 

No cerne da crítica de Freud a Rank, essa passagem será muito útil para pensarmos como o medo ou angústia de castração poderá ser entendido como uma espécie de deslocamento do instinto de sobrevivência e a transmutação deste em angústia.

Acho importante mencionar que será importante sempre cotejarmos os textos originais em alemão, visto que “Angst” pode ser traduzido por medo ou por angústia. O que será muito interessante para se pensar o caráter fóbico de todas as neuroses, coisa pontuada por Freud quando está retomando o caso do pequeno Hans e do Homem dos Lobos em Inibição Sintoma e Angústia.

Aos que se interessarem em acompanhar os estudos, será disponibilizado material preliminar, que corresponde a um texto antigo, do período inicial de minha formação, que agora terá o caminho refeito através de nova investigação: mais madura, com mais experiência clínica e mais tempo de análise.

Faço questão de ter junto nesses estudos amigos escolados em Lacan, assim como amigos estudiosos da obra de Jung, já que em todo o caminho de Freud, esteve sempre presente esse poderoso interlocutor. Aliás, a conjectura apresentada por Freud de que algumas inibições e sintomas poderiam ser pensadas, como Jung o teria feito, a partir do “medo de morrer de fome” parece muito perspicaz, embora Freud a tenha rejeitado e preferido pensar todas as inibições e sintomas como tendo origem no medo de castração.

Os encontros acontecerão como uma troca de saberes e experiências (contribuições espontâneas serão aceitas, mas devem ser tratadas privadamente) a ocorrer durante o período de quarentena, de forma “online”, com periodicidade semanal, através do Google Hangouts Meet.

Nosso primeiro encontro será para nos conhecermos, termos uma ideia da dinâmica das videoconferências e da temática. Mas já estabeleço como primeiro texto a abordarmos a Conferência sobre angústia. (1917)